Faz tanto tempo que ensaio escrever essa edição da newsletter que vocês não tem nem ideia. Mas ela fica sempre nos rascunhos, com tantos outros assuntos que passam pela minha cabeça e não ganham uma forma definida. Aí, hoje senti que poderia tentar novamente e aparecer por aqui. Muitas vezes, a solução para um problema é simplesmente ir lá e fazer, sem pensar muito. Antes feito que perfeito, etc etc.
De toda forma, achei que seria interessante vir contar um pouco sobre uma das decisões mais importantes do meu ano: começar a estudar japonês. Desde o início da pandemia, tenho me debruçado nos livros dos escritores asiáticos, conhecido de pouquinho em pouquinho essa literatura que ainda é tão pouco difundida por aqui — especialmente quando se trata de autoria feminina. Mas, de alguma forma, não parecia suficiente e a barreira linguística me impedia de ter ainda mais acesso a outras obras. De todos os idiomas do continente, escolhi o japonês por achar belíssimo e por toda referência que tenho de animes, mangás e games desde a infância.
É muito diferente começar a aprender algo do zero depois dos 30 anos. A sensação é que a empolgação é maior, que a vontade de estudar supera aquela dos 17 anos entrando no primeiro curso da universidade. E parece que cada pequena vitória é algo a ser comemorado com felicidade. Lembro de uma vez que fui a um mercadinho japonês perto da minha casa e consegui ler 中国 (ou seja, “China”) na embalagem de chá. Eu fiquei tão feliz que precisei disfarçar os pulinhos que dei no meio do corredor vazio. Acabei levando o chá pra casa só por isso (uma pena que o sabor dele nem era tão bom assim, hahah).
Minha incursão no japonês também começou no início da pandemia, mas eu fazia só por diversão mesmo, jogando no Duolingo. Com o passar do tempo, percebi que queria levar mais a sério e que realmente gostaria de aprender o idioma. Pedi uma indicação para a Rita Kohl, uma tradutora incrível, e ela me respondeu com o nome de uma professora japonesa. Hoje, faço aulas semanais com a Junko Kobayashi (a querida じゅんこさん) e a cada dia percebo um pequeno avanço. É muito gratificante.
Uma das coisas mais complexas de se aprender uma nova língua é que ela vai muito além do idioma em si — ela envolve também a cultura e a história do seu lugar de origem. É difícil se permitir partir de outras experiências de mundo, de outra formação social, mas é fundamental sair um pouco da própria bolha pra poder perceber que as vivências são múltiplas. Toda aula aprendo coisas diferentes sobre a cultura japonesa, mas levarei pra sempre algo que a minha professora me mostrou. Diferente do português, em que a negação aparece logo no começo, no japonês, a negação aparece no fim.
Em português: Eu não como peixe.
Em japonês: 私は魚を食べません — Watashi wa sakana o tabemasen (algo como “Eu peixe como não”).
Enquanto as línguas indo-europeias seguem um padrão SVO (sujeito, verbo, objeto), o japonês segue uma lógica SOV (sujeito, objeto, verbo), terminando ainda com o elemento de negação no final da frase que, no exemplo acima, é identificado pelo [ません]. Se a frase fosse o contrário, se eu dissesse que como peixe, eu trocaria o fim da frase por [ます].
Uma troca sutil, no fim de uma frase, pode mudar o significado inteiro dela. E, portanto, em uma conversa em japonês, é preciso aguardar até que a pessoa termine a sua sentença pra entender do que ela está falando — foi esse o primeiro ensinamento que mais me marcou e que eu acho que fala muito sobre a cultura de um povo. Pra mim, uma brasileira que nasceu e conviveu com pessoas discutindo sem nem sequer permitirem às outras finalizarem seu raciocínio, foi basicamente um divisor de águas no meu aprendizado.
Ainda que algumas questões nos afastem do modo de vida japonês, há tantas outras que nos unem, especialmente as lutas das mulheres por equidade. Independente da localização geográfica, há sempre uma insurgência de mulheres que resolve não se silenciar e, muitas vezes, usar a arte como forma de se expressar. Recentemente, eu fiz um curso com a Joy Afonso na Momonoki (que traz muitos cursos legais sobre o Japão, fica a dica!) sobre movimentos feministas japoneses e fiquei encantada com a forma que as mulheres decidiam se manifestar.
De uns tempos pra cá tenho percebido a importância de conhecer outras formas de existir no mundo — e tudo começou com a minha vontade de conhecer outros livros, autoras de outras nacionalidades. A literatura é mesmo poderosa quando possibilitamos que ela seja um campo fértil para novas descobertas.
uma dica:
Abri uma comunidade no Twitter pra ficarmos juntinhos e conversarmos mais sobre literatura asiática e assuntos afins. Já mostrei por lá algumas novidades do meio literário, fiz posts pra gente conversar e trouxe dicas das nossas conversas do clube do livro. Vem com a gente que é sucesso:
uma lembrança:
Se você gosta de literatura asiática, junte-se à gente no grupo Livros & Lámen no Sparkle! Por apenas 5 reais/mensais você participa da comunidade e fica por dentro das datas dos encontros e discussões. Quer saber mais? Só clicar abaixo!
alguns links:
Pré-venda de “Aos prantos no mercado”, de Michelle Zauner — a escritora coreano-americana, que também é vocalista da banda Japanese Breakfast, vai lançar seu livro traduzido pela Fósforo, um bom esquenta pra quem vai no show dela no Primavera Sound.
Ouça ao Komorebicast — se você também gosta de cultura e história japonesa, vai curtir demais o podcast da Anna Ligia Pozzetti. Eu amei demais o podcast sobre lámen, fica a dica! Ela também tem um perfil no Instagram que, de vez em quando, posta uns ditados populares japoneses bem lindos e curiosos.
Muito massa seu depoimento, gabi! Fiz mandarim uns anos atrás e vejo semelhanças na estrutura das frases e até nas ideogramas - o jeito de escrever china é igualzinho! :)
Gabiii que legal ver você por aqui! <3 amei amei amei esse pequeno compartilhamento sobre o japonês, que é um idioma que não pretendo aprender tão cedo, mas também AMO essas nuances culturais de comportamento que se manifestam na forma que o idioma se organiza. Lembro que já ouvi algo sobre o tempo estar nos substantivos e não nos verbos em idiomas indígenas, muito interessante. Beijo pra você! <3