Há alguns bons meses sigo na leitura de Breasts and eggs, da escritora Mieko Kawakami. Kawakami é uma grande sensação na literatura contemporânea japonesa, reconhecida por muitos outros autores importantes e dona de números expressivos de vendas. Como se não bastasse, a escritora venceu prêmios literários, entre eles, o Prêmio Akutagawa, um dos mais consagrados do Japão, e o Prêmio Murasaki Shikibu de Literatura.
Ela está prestes a ser publicada aqui no Brasil, dizem, pela Intrínseca1, mas, enquanto isso não acontece, resolvi me aventurar pelas 430 páginas da edição estadunidense traduzida por Sam Bett e David Boyd. Esse pequeno calhamaço foi eleito pela Time como o romance do ano de 2020 e o New York Times chamou de um dos livros mais notáveis do mesmo ano. Expectativas foram criadas?
O livro é dividido em duas partes: Book One, com 7 capítulos, e Book Two, com 10. Na primeira parte, conhecemos a protagonista, Natsuko, que é escritora, e a sua família que veio passar um tempo com ela — Makiko, a irmã que trabalha em um bar, e Midoriko, a sobrinha adolescente de 12 anos. Ao longo do Book One, percebemos a dinâmica entre as três e os conflitos entre mãe e filha jovem que existem desde quando o mundo é mundo. Há seis meses Midoriko não fala com a mãe, então, fica um clima engraçado das duas tentando se comunicar sem falar diretamente uma com a outra.
(Se você foi uma adolescente e conviveu com a sua mãe, especialmente se a sua mãe te criou sozinha, a chance de haver um choque durante esse período é grande — talvez eu esteja me baseando apenas na minha experiência própria? Talvez, mas já ouvi outros relatos parecidos, eu juro).
Eu gosto dessa primeira parte porque são conflitos interessantes suscitados pelo encontro das três e, intercalando a narração em 1ª pessoa de Natsu, temos também um acesso privilegiado ao diário de Midoriko e suas questões existenciais da adolescência, percepção da mudança do seu próprio corpo e molde da sua opinião própria. Pra mim, é uma das melhores partes do livro. Enquanto Makiko se preocupa demais com a própria aparência e está certa de que quer colocar implante mamário, a sua filha acha a decisão um absurdo. A dança de mágoas, tristezas, preocupações entre Makiko e Midoriko me conquistou de cara e eu queria mais. Mas, ao fim da primeira parte, nos despedimos dessas duas personagens incríveis para dar lugar a uma busca muito particular de Natsu e sua tentativa de engravidar sozinha com a ajuda de bancos de esperma.
Eu não sou uma pessoa que reclama de momentos paradinhos ao longo da leitura — vide o maravilhoso Polícia da memória, da Yoko Ogawa, que deu sono para muita gente, mas me encantou do início ao fim — mas a segunda parte do livro de Kawakami é bastante arrastada. Acontece que a gente vai conhecendo mais sobre personagens que não são interessantes (tipo o cara das palestras) e perdemos de vista a questão familiar de Natsu que era tão viciante. Depois de ter o primeiro gostinho desse núcleo, mudar o foco para personagens que não têm tanta personalidade assim é um pouco sofrido. O livro começa a engrenar novamente para o final, quando começamos a conhecer mais sobre a editora de Natsu e uma colega escritora. E aí, nesse ponto, a gente fica um pouco triste porque não tivemos mais delas ao longo do livro.
Conflitos familiares me capturam facilmente, acho que não é à toa minha paixão por Natalia Ginzburg, pela tetralogia de Elena Ferrante e por “Afetos ferozes”, de Vivian Gornick. Qualquer família, se olharmos bem, rende uma excelente história. Mesmo a família mais banal de todas tem alguma fresta, algum assunto proibido, alguma tra(d)ição que marcou filhos, netos, bisnetos — e é onde conseguimos ver de maneira mais nítida o conflito entre gerações. Se pararmos para pensar, grandes livros que são tidos como clássicos falam sobre questões familiares. Como esquecer a frase de abertura de Anna Karenina?
Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.
Nunca li o livro do Tolstói, e nem sei lerei um dia, mas sempre fico pensando se há de fato famílias felizes. E o que é essa felicidade, afinal? Todos temos os nossos segredos e calamos a boca quando queremos passar incólumes durante um almoço de domingo. A felicidade, pensando dessa forma, seria viver sem conflitos?
De qualquer maneira, Mieko Kawakami nos entrega uma bandeja cheia de possibilidades para pensar sobre procedimentos estéticos, maternidade, filhos, decepções, inquietações e questionamentos sobre até que ponto algo é nosso de verdade ou apenas imposto de fora pra dentro. Na história, Kawakami também traz o ponto de vista de crianças que não conheceram seus pais — seja porque foram abandonadas, seja porque a mãe fez inseminação artificial — e dali surgem algumas conversas que expandiram a minha cabeça sobre o assunto.
Pra mim, a leitura tem sido uma odisseia, mas não acho isso ruim. Tô gostando de manter esse livro o mais perto possível por tanto tempo. Conhecem essa sensação?
uma lembrança:
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Uma das minhas maiores curiosidades é saber como o título dele será traduzido aqui no Brasil. Certeza eles não colocarão “Peitos e ovos”, hahah.
Gabi, nem sei comentar sobre o conteúdo, mas queria expressar que ler essa newsletter hoje cedo me acalmou e deu um quentinho no coração <3
Tbm fiquei curiosa com o título que vão colocar no livro aqui no Brasil rsrsr