Todos nós que cumprimos uma carga de 8h por dia de trabalho, cinco dias por semana, em algum momento, nos deparamos com o seguinte questionamento: cheguei em casa, vou investir nos meus hobbies ou aproveito esse tempo para descansar? No final de semana, a mesma coisa — o cansaço é tão grande que a única coisa que se quer fazer é dormir, ir da cama para o sofá e do sofá para a cama se arrastando pelos corredores do apartamento, tal qual um fantasma assombrando a sua própria casa.
A energia tá em falta, talvez volte amanhã, quem sabe. O ânimo foi dar uma volta, talvez tenha desistido de tentar sobreviver em um corpo tão inóspito.
Frequentemente me pergunto quanto sono é possível caber em uma só pessoa. É só encostar em qualquer canto que eu consigo cochilar, fácil, fácil. Começo a cogitar duas possibilidades: ou é falta de alguma vitamina ou realmente o sistema capitalista coloca o trabalhador em períodos absurdos de trabalho somados à uma gincana nada agradável de horas num transporte público que inibe qualquer resquício de alegria de viver.
E, pra ajudar, no meu caso, não costumo ser uma pessoa enérgica de maneira geral. Olho pra minha mãe, uma ariana, trabalhando 8h por dia, chegando em casa e finalizando a segunda graduação em farmácia, arrumando a casa, investindo em hobbies de pintura e mosaico, cuidando das suas 3.000 plantas e montando o seu pequeno laboratório do zero. Só de escrever essas palavras todas eu me cansei.
Mas, ao mesmo tempo, eu sou uma pessoa bastante teimosa. E quando não concordo ou cismo com alguma coisa, é bem difícil mudar de ideia. É aí que entra a minha vontade de voltar a levar a sério as coisas que gosto de fazer. As coisas: ler e escrever, nenhuma novidade por aqui.
Por mais que sejam coisas banais, que eu sempre tive costume de fazer, elas também demandam unidades expressivas de disposição. Será que consigo chegar do trabalho e escrever uma newsletter inteira? Será que, no transporte público, onde tudo o que preciso fazer é me manter acordada e de pé, consigo tirar uns minutinhos pra pegar a leitura em andamento?
De novo, eu sou uma pessoa bastante teimosa, e comecei a achar injusto gastar todas as horas do meu dia apenas com coisas que são úteis. Aquela velha história de “a vida não pode ser apenas para trabalhar e pagar contas” e etc. Onde entra o meu direito de fazer algo apenas porque gosto? Onde entra meu direito de gastar horas em uma atividade que não vai me trazer absolutamente nenhum retorno financeiro?
É complicado, porque se não nos esforçarmos pra separar um tempinho pra fazer coisas inúteis, continuamos só trabalhando-dormindo-arrumando-a-casa num looping eterno e extremamente monótono. A raiva de pensar nessa possibilidade me deu um impulso a mais pra voltar aos meus queridos hobbies — determinar, nem que seja à força, um tempinho para fazer as pazes e usufruir deles, que me fazem tão feliz. E não deixa de ser uma forma de me empenhar em mim mesma. É uma maneira de não deixar as minhas paixões (e eu mesma) de lado.
Estou tentando. Tratando com mais carinho o clube de leitura, me comprometendo a ler todos os dias, me atualizando sobre novidades literárias e tirando um tempinho para escrever, nem que seja no meu diário. É curioso como parece que eu tenho me reconectado com essas paixões aos poucos. Tenho lembrado a sensação gostosa de pesquisar mais sobre um tema que gosto — e até ido um pouco além, analisando com cuidado e de maneira crítica os elementos contidos nos livros. E então percebi que, quando se está num piloto automático, até o prazer vira protocolo. Transformar o que amo em algo burocrático é o que não quero mais.
Mas tudo é uma tentativa e uma lembrança diária do por que esse esforço vem sendo dedicado aos meus hobbies. No mínimo, pelo bem da minha saúde mental. Pela sensação de que estou fazendo algo por mim. E acho que isso vale, e muito, toda a dedicação.
pra assistir: suzume
Quero deixar uma dica de filme para você ir agora assistir no cinema: Suzume. Ele é o novo filme do Makoto Shinkai (mesmo criador de Your name e O tempo com você, para citar alguns) e, como não poderia ser diferente, é belíssimo. O visual, as histórias, as conexões que os personagens criam ao longo da trama… Recomendo também pela lindeza que é a trilha sonora. De arrepiar. <3
Fica aqui mais uma vez o convite para vocês participarem do nosso grupinho no Twitter. Coloco várias novidades literárias sobre autores leste-asiáticos e lançamentos aqui no Brasil. Aguardo vocês lá!
Fazer nossas coisinhas também é lutar contra o capital. Bom saber que vc está retomando seus pequenos grandes prazeres. Beijo
Suzume é mesmo lindo! Eu transformo muito fácil um hobby numa tarefa, algo a se cumprir para ganhar uma estrelinha. Estamos muito treinados a fazer "algo útil", mas seguimos tentando achar beleza e prazer para além do trabalho e do dinheiro.